A. Jorge Ribeiro
Honra e proveito não cabem num saco
Textos
   A cruz, o Quim Graça, o futuro comandante Agostinho Monteiro, o Padre José Maria Valente Rebelo, o 
      comendador Boaventura e filho, o antigo inspector de incêndios – a vista ao quartel dos bombeiros



A PÁSCOA e a visita pascal

Decorria animada e alegre a visita pascal da minha meninice.
A visita pascal era um costume poético e encantador, perfumado pelas flores primaveris e edulcorado por mil doçarias diversas.
As “sondagens”, levadas a cabo pelos olhares curiosos dos forasteiros, revelavam que em todos os rostos se divisava uma expressão de real alegria, riso franco nas crianças e jovialidade na mocidade.
Famílias inteiras acompanhavam o pároco na vista às casas.
Para que nada faltasse ao encanto da quadra pascal, o dia amanhecia sempre com um sol macio e brilhante.
 
Após o luto rigorosamente guardado durante a Semana Santa, festejava-se ruidosamente e com expansão de alegria a Aleluia de sábado.
Vivida intensamente a Quaresma, chegava finalmente o almejado dia da visita pascal.
Seria, hoje, impossível realizar a visita pascal nos moldes em que durante décadas nos habituámos a viver, com as festividades da segunda-feira de Páscoa a encher de colorido o centro da cidade. As inúmeras “cruzes” juntavam-se no quartel dos bombeiros, após terem entrado nas casas tirsenses, com mais ou menos demora conforme o cansaço das comitivas ou a amizade e conhecimento pessoal dos moradores.
As portas das casas estavam escancaradas ou apenas semi-cerradas, permitindo acesso a intimidades dificilmente devassadas do velho burgo.
Os rapazes estridentes das irrequietas campainhas faziam-se ouvir constantemente, dando a certeza de que o anúncio da Ressurreição nem sempre foi indolor.
No domingo, apenas nos apercebíamos da saída do compasso para as aldeias circunjacentes pelas matinais girândolas de foguetes, e sentíamos a compita entre os foguetes de três respostas, as bombas reais e os morteiros.
 
Vem de tempos imemoriais a organização pascal de minha infância: o compasso saía na forma costumeira, aos domingos e segundas-feiras.
No domingo era a visita às casas situadas nos arredores, sendo o dia de segunda-feira destinado exclusivamente à visita à vila, feita pelos reverendos pároco e coadjutor.
No meio da alegria e animação geral, às ruas vinha grande afluência de povo que jubilantemente acompanhava o pessoal e os eclesiásticos encarregados da visita.
Na benemérita associação dos Bombeiros Voluntários era o Compasso esperado pelo corpo activo, pela banda de música daquela corporação, que tocava, com mimo e correcção, lindos trechos de música.
Também no Círculo Católico, o Compasso era esperado por um crescido número de sócios, acompanhados do seu presidente.
Tocava a orquestra do Círculo, sendo servido doce e vinho fino aos reverendos eclesiásticos e sua comitiva, sócios e famílias.
 
Impondo uma presença publicitária mais agressiva por ocasião da gulosinosa Páscoa, a Confeitaria Moura não anunciava ainda os famosos jesuítas, mas, mantendo a tradição como convém, trazia à lembrança o doce fino, discriminador de classes, o doce de ovos e o pão-de-ló com certificado de registo. 
 
Por uma abertura existente na espessa urdidura de cedros que vedava o rico solar, as criadas do comendador passavam travessas de guloseimas, tão sofisticadas que as crianças do bairro da previdência nem sabiam nomeá-las. Nem os próprios pais, tecelões e fiandeiros da fábrica têxtil. 
 

ANTONIO JORGE
Enviado por ANTONIO JORGE em 31/03/2010
Alterado em 01/04/2010
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