A. Jorge Ribeiro
Um homem, quando adrega de apaixonar-se, ou mar ou terra.
Meu Diário
15/10/2021 12h38
Motes e convicções

UM FOLHETINISTA DO «JORNAL DE SANTO THYRSO» – EDUARDO CARVALHO

 

“Santo Thyrso à vol d’oiseau”!

Eduardo Carvalho, radicado em Famalicão, imita, em 1884, a célebre princesa Maria Rattazzi (1813-1883) e o seu “Portugal de Relance” (Le Portugal à vol d’oiseau - 1879).

Para não dar azo a que os tirsenses o zurzissem, como Guerra Junqueiro fez à “francesa” crismando-a de Princesa Ratazana, Eduardo Carvalho diz de Santo Tirso maravilhas, no tempo em que livrar da tropa os filhos dos caseiros e entrar na Administração sem tirar o chapéu da cabeça era “estar de cima”, politicamente.

Talvez esta que estamos a descrever fosse a única prosa em que não meteu brasileiros, nem raparigas que se recolhessem em conventos. Mas, no que respeita a fidalgos de província e a românticos apaixonados e transparentes, foi invariável como a chuva e o bom tempo.

Noutros “Folhetins” – escreveu oito, entre agosto de 1882 e novembro de 1888 – não deixou de estorcegar o estilo do brasileiro: “À sua figura prosaicamente abdominosa juntava o adorável atributo de possuidor de centenas de contos, quatro engenhos de café na roça, 300 escravos na fazenda de Ricopiranga, e muitas esperanças num prometido viscondado”, cujo título o pobre recebeu no dia da boda nupcial e foi o de Visconde de Chavelhos! Esta obsessão por chavelhos ocorreu num tempo em que tinha menos de dois anos a viscondização de Manuel Ribeiro e os contos de reis do nosso titular privativo eram milhares, não centenas.

Eduardo Carvalho era tido e achado em Santo Tirso, minucioso observador do que o rodeava, pintando com cores vivas até as cenas tétricas. Por ele ficamos a saber que, nos funerais, os confrades além das opas usavam capuzes. Os das opas brancas cobriam-se as respetivas cabeças de toucas azuis, e os de opas roxas faziam-no com capelos brancos. Uma garridice funérea! E que os lavradores caçavam coelhos com furões açaimados, para gáudio das lebres que se estonteavam na presença dos varapaus de lódão dos capatazes.

Chama a Santo Tirso “sorridente povoação” e inventa que o amoroso Ave a banha e o sinuoso Córdova a protege, colocando no seu cocuruto cavernas de mouros encantados e ruínas de castelos góticos.

Mas onde o autor ostenta a sua capacidade metafórica é ao comparar a “vila de Santo Thyrso a uma voluptuosa odalisca, inebriada de haxixe e fragrâncias orientais, que se reclinasse preguiçosamente no regaço dum velho titã poisando os pés na escama luzidia duma longa serpente coleante”!

E o mais são as praças e palacetes, o rio e a ponte, o convento do Visconde, a Sibéria das repartições, o botequim do Friães com bilhares e loja de barbeiro, e o Caroço, essa instituição famulenta que levou os bifes de cebolada boiando num dilúvio de vinagre ao prémio de popularidade entre os gourmands dos mercados semanais do Campo 29 de Março.

A linda história acaba numa soirée dançante no Club, animada pela orquestra do Veloso e pelo serviço de doces e vinho fino que o diretor foi buscar ao Porto, na falta da Confeitaria Moura.

De qualquer modo, Eduardo Carvalho teve a sublime qualidade de ser breve.

Publicado por ANTONIO JORGE
em 15/10/2021 às 12h38
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